Le déserteur
Boris VianPORTOGHESE / PORTUGUESE / PORTUGAIS [4] - Riccardo Venturi | |
O DESERTOR Perdoe-me, Excelência, o meu atrevimento: mas peço-lhe um momento, se tiver paciência. Acabo de saber que fui mobilizado p’ra ir como soldado a pátria defender. Não, senhor Presidente, eu não quero ir p’rà guerra, não se defende a terra matando a pobre gente. Fartei-me de pensar qual a melhor acção, e a minha decisão é que vou desertar. Só vi desde que vivo filhos perder os pais, de irmãos lutas mortais sem razão nem motivo. A minha pobre mãe sofreu tanto e penou: da morte precisou p’ra enfim se sentir bem. Ao ser encarcerado, minha mulher, perdi-a; e esqueci o que havia de bom no meu passado. Logo de madrugada fecho a porta e assim corto com um tempo já morto p’ra me fazer à estrada. Irei ter com o povo p’los campos e cidades, explicar as verdades deste discurso novo: «No mundo os explorados são uma só nação, mas sem haver união são sempre derrotados. Negai-vos a ob’decer, se vos mandam para a guerra, que impor fome e miséria, não é o vosso dever.» Se há-de o sangue correr, o nosso deixe em paz: não se arme em frei Tomás, tem o seu p’ra of’recer. Se achar que ponho em perigo a ordem e o seu bem-estar, declare-me inimigo que é preciso anular. Sou um simples desertor: comunique aos seus guardas que ando sempre sem armas, que atirem sem temor. | O DESERTOR Senhor Presidente, escrivo-lhe esta carta, talvez o Senhor leja se o tempo tiver. Hoje eu recebi meus papéis militares, eu devo ir p'rà guerra na tarde de amanhã. O meu Presidente, eu não quero fazê-la, não estou aqui na terra a gente p'ra matar, Não é p'ra o zangar mais eu tenho que dizer que a minha decisão é a de desertar. Desde que eu nasci eu vi morrer meu pai, e partir meus irmãos e meus filhos chorar, minha mãe tão sofreu, agora está enterrada não lhe importa das bombas, dos vermes nem sequer. Quando estava em prisão roubaram-me a esposa, roubaram-me a alma e tudo o que passei. Assim, ao amanhecer eu vou fechar a porta na cara de anos mortos e vou-me encaminhar. Meu pão mendigarei atravessando Espanha e França, e Bretanha e à gente eu direi: Não obedeçam mais e recusem fazê-la, não vão para a guerra, e recusem partir. Se o sangue houver que dar, Senhor, vá dar o seu, não seja descarado tão muito, meu Senhor. E se me perseguir avise os seus gendarmes que eu ando sem armas e que podem tirar. |